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FERNANDO DE NORONHA

Logo na chegada, do alto, assim que seu avião sobrevoa a ilha, a visão de Noronha já impressiona -parece um bordado geográfico no meio do oceano, arrematado pelas franjas de dezesseis praias que contrastam com a toalha azul-esverdeada do mar. Em Noronha, nenhuma praia se parece com nada que se viu em qualquer outro recanto do país. E mais: nenhuma praia de Noronha é igual à outra praia de Noronha. Em épocas de maré baixa, pode-se tirar o dia para circundar a parte acessível da ilha a pé, passando por todas as praias.

Por mais belas que sejam as praias, é, no entanto, além da areia, dentro do mar que está a maior atração da ilha. Em primeiro lugar, a entrada: nos passeios de barco ao redor da ilha, sempre há uma parada, de cerca de 50 minutos, para nadar em uma das várias piscinas naturais do lugar. Aqui não se vêem tubarões, lagostas e arraias, mas sim corais esculpidos, esponjas-do-mar e peixinhos, peixes e peixões. Se você nunca mergulhou, certamente vai achar que nada pode ser mais bonito do que isso na Terra.

O enlevo do cardápio prossegue, ainda nos passeios de barco, pelas águas onde vivem cerca de 700 golfinhos. De repente, algo pula na água. Os golfinhos, aprende-se depois numa das palestras diárias do Ibama (cujos temas variam a cada dia da semana), não estão ali ao redor do barco porque acham que humanos são a melhor companhia do mundo. São os machos que, em defesa da fêmea e dos filhotes, procuram distrair os intrusos, levando-os para longe de sua família. Se você, no entanto, der a sorte de deparar com eles em uma zona fora da jurisdição do Ibama - leia-se: águas intocáveis -, poderá até mesmo nadar com os golfinhos. O batismo, aquele primeiro mergulho que você jamais esquece, custa entre 65 e 90 reais na ilha. A 10 ou 15 metros de profundidade, Noronha é um jardim de água florido de peixes. Acredite, é um dos maiores espetáculos do planeta.

Os mergulhos, contudo, de tão espetaculares, muitas vezes se tornam espetaculosos na memória dos turistas. Quem mergulha por lá tem muitas chances de chegar em casa, ainda banhado pelo espírito de Noronha, com criatividade de pescador. Cientes desse fenômeno comportamental de Noronha, as empresas de mergulho, que também filmam as aventuras submarinas dos turistas, costumam, na edição da fita, mesclar imagens dos peixes coloridos e arraias que realmente quase foram tocados com cenas de tubarões e moréias que ninguém nunca, em tempo algum, viu mais gordos.

A imaginação, no entanto, não nasce só embaixo d’água. Entre as 2 003 pessoas que moram na ilha, segundo o último levantamento, feito no final do ano passado, pelo menos umas 200 -de acordo com o achismo dos próprios habitantes - não saem à noite nem arrastadas. Não se trata de medo de assalto, de ladrão - coisas que inexistem em Noronha -, mas de paúra de encontrar o Menino que Chora (uma assombração mirim cujo pranto persegue os incautos) ou a Mulher de Branco (que pede carona no meio da noite e depois some no banco de trás do carro. Isso também faz parte do espírito de Noronha - ou dos espíritos, como queira.

Há duas formas de encarar essa peculiaridade do arquipélago: a primeira é o gosto que o povo de lá cultiva pela birita. Até 1987, a principal causa mortis no arquipélago era cirrose hepática - hoje é hipertensão, causada pelo excesso de sal nos alimentos e na água. Em apenas uma única noite, no forró no bar do Mirante do Boldró (local de vista privilegiada onde uma banda anima a festa até de madrugada com reggaes, lambadas e ritmos semelhantes), não é nada raro que sejam consumidos 32 engradados de cerveja - ou seja, 768 garrafas. A ilha, de acordo com as normas do Ibama, só pode receber uma leva de 420 turistas por vez. Se, naquela noite, todos estivessem no Mirante do Boldró, isso significaria que cada um tomou uma média de 1,8 garrafa. Claro que não é bem assim que acontece na realidade, pois os 420 não vão para lá ao mesmo tempo. Ou seja, esse número de garrafas per capita sobe consideravelmente, dando uma idéia do quanto se enxuga em Noronha.

Em 1957, e até 1965, foi base do Exército americano. No princípio, não havia celas. As tentativas de fuga, no entanto, fizeram com que fossem erguidas as paredes dos cárceres. Como efeito colateral do presídio, a maior parte da vegetação original da ilha foi devastada para impedir que os fugitivos usassem a madeira das árvores na construção de barcos e jangadas - uma das espécies mais comuns de Noronha, os mulungus, sumiu por completo.

O primeiro grupo de turistas só foi pisar na ilha no dia 7 de dezembro de 1972. Apesar de o pacote poder ser pago em dez vezes e do bom apelo da propaganda - "Vá gozar as delícias de um final de semana além das 200 milhas, na Esmeralda do Atlântico" -, sobrou lugar à beça. A Pedra do Pico, que muda de forma de acordo com o lugar de onde ela é vista, parece na maior parte do tempo um símbolo fálico. Algumas pedras e rochedos de Noronha são perigosos. Além dos cenários belíssimos, do pôr-do-sol no Forte de Nossa Senhora dos Remédios ou no Mirante dos Golfinhos e do luar tingindo de prateado o mar, há sempre, não se esqueça, o espírito de Noronha - que aqui pode ser traduzido como a disposição de curtir aventuras sem ligar muito para o conforto - e o clima permanente de férias, que implica também aquela doce e juvenil vontade de não levar nada a sério. Talvez por isso Noronha também pode ser encarada como o paraíso romântico dos jovens e solteiros - alguns nem tanto.

As praias preferidas para romances, talvez por serem menos pedregosas e por ficarem perto dos dois bares onde rolam os forrós à noite, são a do Boldró, do Cachorro e a do Meio. Quem se dispuser a andar encontrará aconchego também nas areias da Praia do Leão - na qual, se a madrugada for longe, é possível ver tartarugas na praia ao amanhecer - ou na Praia do Sancho, que, depois das chuvas, entre abril e junho, tem também cachoeira para embalar a fantasia dos amantes. Como se vê, o espírito de Noronha também é um clima, está no ar, assim como o amor e o pó da estrada.

Mas, se o amor pode ou não acontecer, fique certo de que você não vai conseguir se livrar do pó da estrada. Constatar isso, no entanto, não tem nenhuma função prática - é apenas chatice.

Para ficar em Noronha, deve-se pagar uma taxa de permanência exigida pelo governo de Pernambuco, que aumenta conforme o tempo que se passa na ilha.

 

   

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