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CHICAGO

O turista desavisado desembarca na Chicago que sempre sonhou. Fã inconfesso de AI Capone, leitor de histórias noir, colecionador das aventuras do Batman, ele dispara no motorista do táxi: "Loop, por favor". Para completar a cena, o barulho ensurdecedor do El, um trem elevado, cujo traçado é uma espécie de quadrado no centro da cidade, treme sobre sua cabeça. Quanto mais anda, mais descobre em Chicago nuanças que jamais pensara. Quem está dentro da cidade tem um jeito de percebê-la. Um exemplo básico vem dos próprios americanos do norte, que mesmo sendo dali acham que Chicago é a capital do Estado de Illinois (na verdade é Springfield, muito menor). O que esperar então do resto do mundo?

O turista está absolvido. O de uma Chicago subversiva, contraventora, lasciva, permissiva. Casa e escritório do mais comentado bandido do século, Al Capone. Não é à toa que o seu filho dileto, Michael Jordan, faz parte da geração saúde. É quase uma mania: crianças, velhos, homens e mulheres querem sempre saber as últimas do Ronaldinho do basquete. O melhor jogador do mundo colocou seu time, o Chicago Bulls, na boca do povo. De lambuja, Chicago voltou às paradas de sucesso (note que essa não é uma referência ao estribilho cansativo que Frank Sinatra imortalizou: "Chicago, Chicago", e que ninguém sabe a continuação). Depois de Jordan, as pessoas começaram a ouvir falar da cidade pelos mais diversos motivos: um verão escaldante, um inverno arrasador, a Sears Tower, que perdeu o título de prédio mais alto do mundo.

Só para citar algumas coisas que poucos sabem, aqui fica o conjunto de maior expressão arquitetônica do país, uma orquestra sinfônica aclamada mundialmente e a música perfeita do bluesman Buddy Guy. Tudo isso situado em frente a um dos maiores lagos do mundo, o Michigan (com 58 061 quilômetros quadrados ou duas vezes o tamanho da Bélgica!), e arrematado pela mais genuína cultura americana.

Esses dois quesitos juntos, o lago e os homens, são a base para entender porque Chicago se tornou a terceira maior metrópole dos Estados Unidos, e talvez a mais representativa do modo de vida americano. Esse encontro aconteceu em meados do século 17. Naquela época, o interior dos Estados Unidos era desconhecido - e isso foi um atrativo a mais para o explorador Louis Joliet. Havia, de um lado, ligação com o Oceano Atlântico, através do Rio São Lourenço e, de outro, com o Golfo do México, através do Rio Mississippi, o que dava ao lugar uma inequívoca vocação mercantil. Passaram-se 200 anos antes de outro visionário retomar o projeto do canal e antes do lugar se tornar uma cidade. Nos anos que se seguiram à construção do canal, houve uma enxurrada de novidades: a fundação do jornal diário Chicago Tribune, a criação da Junta Comercial, de uma estação ferroviária, de um centro de compras na State Street, da Universidade de Chicago e por aí afora. Dentro desse pacote de progresso havia até uma guarnição do corpo de bombeiros.

Que, no entanto, não serviu para muita coisa na noite de 7 de outubro de 1871, a noite do Grande Fogo, e paradoxalmente, a noite da grande virada. Alimentada pelos fortes ventos que vêm do Lago Michigan, a centelha virou fogo, que virou fogaréu e depois se alastrou pela cidade. Os habitantes, perdidos em sua própria cidade, vagaram sobre as cinzas. Foi, sem dúvida, o maior desastre da América naquele tempo. Chicago depois do fogo era a própria síntese do espírito da América - um lugar a se fazer. Para essa formidável reconstrução chegaram à cidade, além de novos investidores, um rol de arquitetos e engenheiros. Com mil idéias na cabeça. Os estilos arquitetônicos adotados - do neogótico a o art déco - eram os mais variados. Por enquanto, a metrópole se contenta com os 344 metros do edifício John Hancoek e os 443 metros da Sears Tower. Hoje, a cidade que o turista desavisado encontra é essa Chicago que conseguiu brilhar de novo. Uma cidade de 3 milhões de habitantes que nasceu do nada e que renasceu das cinzas. Por ali ainda há trabalhos de Miró, Calder, Chagall e até um bastão de beisebol de 30 metros de altura em homenagem ao esporte que é outra das fixações do lugar.

Mesmo sem ter mar, Chicago pode se orgulhar de ter uma das maiores orlas urbanizadas do mundo: a Lake Shore Drive. Esse tipo de playground tem um efeito impressionante no dia-a-dia da cidade. Paralelo ao lago, corre uma avenida que dá acesso aos principais pontos da cidade. Ok, nada parecido com Ipanema, mas uma boa surpresa para uma cidade que fica a mais de mil quilômetros do oceano mais próximo.

O pedaço mais central da Lake Shore, e mais próximo ao Loop, é o Grant Park. O gênero invadiu Chicago no começo do século. Primeiro, com o fechamento do bairro boêmio de New Orleans. Mais tarde, com a depressão da década de 30, quando a maioria dos músicos do velho sul migrou para o norte em busca de trabalho na construção civil. Ao sul do Grant Park, a Lake Shore fica ótima para crianças. Ali estão três atrações imperdíveis: o Shedd Aquarium, o maior aquário fechado do mundo, o Adler Planetarium, o primeiro planetário do país, e o Field Museum, um dos templos da História Natural. Para baixo, a orla termina no Hyde Park, um bairro classe média, liberal e com uma integração racial maior do que a que se vê no resto da cidade. Na parte norte da Lake Shore é que Chicago esquenta para valer. A começar pelo Navy Pier, uma mistura de centro de convenções com lazer, que fascina os seus freqüentadores com muita cerveja, música, gente bonita e uma incrível vista do lago e do skyline. Metade dos passeios de barco pelo lago saem dali. Mas é atrás do Navy Pier que se encontra a maior concentração de turistas por metro quadrado da cidade. Ali fica a Michigan Avenue, que reúne as mais famosas griffes do mundo, uma ao lado da outra. Quem, no entanto, resistir a todos esses apelos e seguir Lake Shore Drive acima, vai dar de cara com dois dos melhores bairros da cidade. Aqui, como na maioria das metrópoles, boa parte da população que trabalha no centro mora nos subúrbios. Observa-se que nenhum dos super-prédios tem letreiros de neon ou qualquer tipo de poluição visual estragando a beleza do skyline. Chicago está brilhando de novo. E não é mais a cidade misteriosa e bandida da imaginação dos turistas. É a própria essência do país. É a América como ela é.

Embora as habitantes de hoje detestem admitir, a simples menção do nome Chicago remete à Al Capone e seus gângsters contrabandeando uísque e atirando por todos os cantos nos anos da Lei Seca (anos 20). Al, porém, foi responsável por outro mito do lugar: o inspetor Eliot Ness, que conseguiu prendê-lo. A cidade também gerou ícones de ficção, porque é, ao mesmo tempo, a Metrópolis da Super-Homem e a Gatham City de Batman.

Hoje, porém, o nome do lugar remete imediatamente ao super-herói Michael Jordan, ídolo máximo do basquete americano e responsável pelos vários títulos consecutivos do Chicago Bulls na NBA. Não esqueça: em Chicago, para ligar de uma área para a outra, é preciso discar 1 antes do código de área. Para ligar do Brasil, digite 001.

No inverno, a temperatura pode chegar abaixo de zero. No verão, pra lá dos 30. No outono e na primavera, prepare-se para variações no mesmo dia. Ande muito pela cidade e descubra o que as ruas reservam para seus habitantes. Vá dar uma volta de El, o trem elevado, no Loop, ver um jogo: basquete, beisebol, futebol americano ou outro qualquer, subir no John Hancock e na Sears Towers, os dois mais altos da cidade, passear de barco no Rio Chicago e no Lago Michigan, experimentar a deep-pizza, dançar o sex blues, um ritmo quente com letras extremamente sujas, esperar o sol se pôr atrás dos arranha-céus, de preferência do Grant Park, vagar de carro pela cidade à noite, descobrindo túneis, pontes e o que vier.

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