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MONTREAL

A alguns pode soar estranho que alguém troque a excitante vida das turnês mundiais por uma cidade onde a noite chega no meio da tarde em quatro meses do ano e temperaturas de 20 graus negativos são recebidas com a mesma naturalidade que o calor é encarado no Nordeste do Brasil. Montreal, todavia, é uma delícia de cidade mesmo quando o bravo rio São Lourenço congela e, a bem da verdade, no verão, é mais espontaneamente festiva do que Paris.

A comparação se sustenta apenas porque Montreal - e isso nem todo mundo sabe - é a segunda maior cidade de língua francesa do mundo, o que poderia lhe conferir o título de cidade-luz da América do Norte. Mas, afora essa parecença linguística e uma certa inclinação para os prazeres da culinária e do vinho, Montreal lembra mesmo, no jeito e na arquitetura, uma grande cidade americana.

A influência do potentíssimo vizinho do sul cresceu especialmente no século 20, quando, um pouco constrangida e acabrunhada, a segunda maior cidade canadense (menor apenas que Toronto) perdeu grande parte da identidade francesa que carregava desde 1534, quando foi fundada por Jacques Cartier. Atraídos pelos preços baixos da Universidade de Montreal (que também é a segunda maior escola de língua francesa, atrás apenas da Sorbonne), jovens do mundo todo instalam-se na cidade - onde, freqüentemente, casam-se e ficam para sempre.

Daí que a cidade tem um pique evidentemente jovem. Até nos dias mais frios do inverno, vêem-se ciclistas subindo as colinas do Monte Real - a pequena elevação que batizou a cidade -, jovens praticando jogging na área plana do Porto Antigo e namorados fortemente abraçados pelas ruas. Quando a neve chega - e aqui ela costuma chegar abundante - é a vez das encostas do monte transformarem-se em minipistas de esqui e das águas congeladas servirem de base aos patinadores.

A cidade é extremamente simples. Atrás da montanha, a cidade prossegue até um outro braço do São Lourenço (sim, Montreal, é uma ilha fluvial), mas nessa região ficam apenas alguns bairros residenciais e industriais. Do mirante do Parque do Monte Real, um grande jardim projetado por Frederick Law Olmsted - o mesmo que fez o Central Park de Nova York -, vêem-se os edifícios modernos do centro da cidade e, ao longe, na beira do rio, o bairro histórico chamado Antiga Montreal. Na direção norte desponta, solitário, o estádio construído para as Olimpíadas de 1976. Ainda hoje, 23 anos depois, esse complexo esportivo é a principal atração da cidade. Mais de 3 milhões de turistas visitam-no a cada ano, para subir pelo funicular ao mirante que fica no alto da torre (custa 9 dólares locais o passeio), ou para visitar o antigo velódromo, hoje transformado numa espécie de zoológico fechado chamado Biodome. A cidade enterrada de Montreal supera, em arrojo, a própria saga dos colonizadores, cujos poucos registros ficam nas imediações da Place des Armes. A bela catedral de Notre Dame, por exemplo, embora testemunhe a presença da igreja católica francesa num continente predominantemente protestante, não tem as dimensões épicas da empreitada subterrânea - essa sim, o grande diferencial da cidade. Ao contrário: tanto embaixo, quanto em cima, Montreal é alegre e iluminada.

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